Pular para o conteúdo principal

O racismo estrutural e a exclusão no âmbito das políticas culturais

Le Monde Diplomatique


Crise cultura | Brasil
por Rodrigo Juste Duarte
2 de agosto de 2022 

(...)
Cotas e políticas de inclusão na cultura

A crítica à aplicação da LAB revelou a necessidade de formalização de políticas afirmativas e de cotas nas políticas culturais, em todos os níveis da União, Estados e Municípios.

Zulu Araujo defende como um dos mecanismos (mas não o único) a adoção de cotas, denominadas por ele como “discriminação positiva”, conceito que teve suas raízes nas lutas raciais pelos direitos civis da população afroamericana nos Estados Unidos. Segundo ele, é uma medida necessária quando se tem um preconceito e uma discriminação arraigada no país. “Uma forma de fazer com que a diversidade cultural no país seja respeitada é protagonizar e dar a essas manifestações as mesmas condições que são dadas às demais. Para isso, é necessário serem tratadas com a discriminação positiva, que se chama cotas. Porque a manutenção do que se encontra hoje nas políticas públicas é, na verdade, a eternização da desigualdade”, afirma.

Com iniciativas inéditas, no Paraná estão sendo estudadas propostas de políticas compensatórias e inclusivas no campo cultural. As duas principais propostas surgem de movimentos e entidades culturais. Uma via propõe políticas afirmativas e a outra cotas nos editais de cultura.

O Fórum de Cultura do Paraná lançou em 2021 a proposta de cotas de 20% de vagas para diversos agrupamentos e minorias prejudicadas nos editais de cultura do Estado, manifestando ainda propostas de regionalização dos recursos entre os municípios do Paraná. Outra entidade, o Seped (Sindicato dos Empresários e produtores em Espetáculos e Diversões no Estado do Paraná) apresentou uma proposta de lei de políticas afirmativas para regular os editais do Estado.

Redigida pelo bacharel em direito Gehad Hajar (presidente do Seped) e apresentada pelo deputado estadual Michele Caputo na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep-PR), a iniciativa traz uma proposta de inclusão para amortizar e corrigir as exclusões sociais descobertas do uso irregular da LAB no Estado. É um agente indutor de mudanças e incentiva os gestores a fazerem uma política pública mais progressista, sob a denominação “Política Estadual de Inclusão e Acesso ao Fomento Cultural de artistas e técnicos-artísticos oriundos de grupos tradicionais, discriminados, vulneráveis e invisibilizados a todos os editais com dotação orçamentária pública do Estado do Paraná”.

A proposta da lei regulamenta o uso de recursos não só em editais de cultura, mas em qualquer edital que tenha dotação orçamentária pública destinado para artistas e técnicos artísticos. “Para que consiga editar uma lei, além dos princípios constitucionais, é preciso a necessidade. Existe agora mais do que nunca a necessidade de se editar essa lei. Ela não cria apenas um direito, mas uma política de inclusão”, afirma Gehad Hajar. A proposta foi encaminhada à Câmara Municipal de Curitiba e à Alep-PR e está em trâmite nas duas casas.

Segundo a proposta, na avaliação dos projetos por bancas de pareceristas, haverá acréscimo na pontuação para proponentes de comunidades e povos tradicionais (comunidades de terreiro, faxinalenses, ribeirinhos, pescadores artesanais, caiçaras, quilombolas, ciganos e indígenas), negros, pessoas com deficiência e neurodiversos; grupos identitários vulneráveis e/ou invisibilizados (LGBT+, famílias monoparentais predominantemente femininas), migrantes humanitários e moradores de aglomerados subnormais. Se o mecanismo for aprovado e copiado por outros estados e municípios, pode contribuir na redução das desigualdades de acesso nas políticas de editais de cultura em todo o Brasil.

A outra proposta, ainda sem texto de lei, lançou a pedra fundamental, que já recebe apoio de outros movimentos e entidades para que existam mais dois mecanismos complementares nos editais do Estado. O primeiro é a regionalização dos recursos da cultura, por população nas macrorregiões do estado. A segunda proposta, de que 20% de todos recursos de editais e fundos de cultura sejam distribuídos obrigatoriamente para diversos grupos sociais e raciais envolvidos na cultura, que são excluídos das políticas culturais.

Ambas as propostas (de apoio à inclusão ou de cotas) são complementares e não antagônicas. “Elas podem desencadear em todo o Brasil uma mudança de entendimento das políticas culturais, numa visão mais humanista e de respeito à diversidade cultural” segundo Manoel J de Souza Neto.

No Brasil, que tem um histórico de desigualdade social, se faz necessária uma política de inclusão efetiva e que seja aplicada e replicada, como combate à reprodução dos sistemas de valores de exclusão, visando a reversão dessa injustiça histórica.

Postagens mais visitadas deste blog

Curitiba já foi capital do Brasil e é mais antiga do que se imagina (Matéria do Jornal Comunicação On-line - UFPR)

Pesquisadores revisitam a história da cidade e apontam fatos históricos desconhecidos pela população Reportagem: Felipe Nascimento Edição Renata: Portela Responda a seguinte pergunta: quais cidades foram capitais do Brasil? Um bom estudante de história responderia Salvador, Rio de Janeiro e Brasília. Mas o que poucos sabem é que Curitiba já foi oficialmente capital brasileira. Esse é somente um dos fatos históricos pouco conhecidos sobre a cidade apontados por dois pesquisadores da história do Paraná. Gehad Hajar, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, é um desses pesquisadores.  Ele está realizando a pesquisa “Curitiba: de povoado à capital do Brasil”, que deverá ser lançada em livro no segundo semestre de 2011. A cidade foi capital federal entre 24 e 27 de março de 1969, época em que vigorava a ditadura militar. De acordo com o pesquisador, a mudança foi por uma questão propagandística. “Curitiba era uma das capitais brasileiras que não

Apresentação do livro "Monumentos de Curitiba" - 2° edição

Apresentação Há muito sentia-se falta de um inventário do patrimônio artístico e cultural nos logradouros e próprios públicos do Município de Curitiba.  Ei-lo: Monumentos de Curitiba, nossa pesquisa de mais de uma década, em que corremos a campo, percorrendo ruas, praças e prédios a fim de elencar, catalogar e fotografar as hermas, bustos, placas, monólitos, estátuas, fontes, repuxos, relógios, árvores preservadas, monumentos, obras de arte, enfim, tudo que esteja exposto publicamente e agregue valores culturais e históricos à memória da cidade.  No afã de ajudar em futuros estudos, restaurações, reposições, manutenções e análises, as fichas tendem a trazer informações mínimas, padronizadas e necessárias, acompanhadas de fotos dos principais bens. Nossa coleção pública é valiosa. Temos desde o monólito do séc. XVII de posse portuguesa sobre este território, na praça Tiradentes; a última argola de atracamento de cavalos do séc. XVIII, na rua de São Francisco; o primeiro

Vida e obra de Gehad Hajar (e-cultura)