“O que nos justifica como Estado é a cultura que nos une. Temos que entender a cultura como uma dimensão maior que a própria arte, maior que a linguagem artística. Temos que ver a cultura como nós mesmos.” É o que defende Gehad Hajar, pesquisador, produtor cultural, diretor teatral e editor.
Ele foi o convidado do 8º debate sobre a Autorreforma do PSB, realizado na noite desta segunda-feira (26).
Hajar é formado em direito, pedagogia, gestão pública e cinema. Foi conselheiro municipal e estadual de Cultura no Paraná. Ele também é o fundador do Coro Lírico de Curitiba, da Companhia Paranaense de Ópera e diretor-geral do Festival de Ópera do Paraná, atualmente o maior evento lírico do país, totalmente gratuito e acessível. Preside o sindicato de Produtores e Empresários de Espetáculo do Paraná.
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, também esteve presente. A mediação foi feita por James Lewis.
Olhar para as pessoas faz como parte da cultura
Gehad Hajar observa que tudo o que nos cerca faz parte da cultura: do preconceito ao não pertencimento das cidades, quando se trata de populações periféricas. Por isso, ele defende ser necessário subsidiar, entender e cuidar do ser humano dentro da política de cultura.
“Os mecanismos de cultura não focam no ser humano, tampouco na diversidade. Se nós achamos que a democracia não é tratar todos de forma igualitária, a cultura também não pode ser vista pelo Estado como estando todos no mesmo patamar”, observa.
Por isso, ele elogia “o caráter transversal” com que o tema é tratado pela Autorreforma do PSB, que vai muito além do entretenimento.
Além disso, aos moldes do que defende o PSB em sua Autorreforma, o investimento em cultura pode ser um excelente mercado, que gera emprego e renda, e faz parte de um contexto maior na economia criativa.
“A cada R$ 1 que se investe em cultura, volta R$ 1,60 somente nos impostos relacionados. Todos os estados chamados de primeiro mundo subsidiam cultura. 23% a 25% do erário público francês é investido em cultura”, exemplifica.
Controle da cultura
O pesquisador observa que todo serviço ou manifestação cultural espontânea é altamente dependente do poder público.
“É impossível pensarmos cultura sem a participação estatal”
Gehad Hajar
Porém, é preciso estar alertas para armadilhas que existem em torno da diferença de fomentar e controlar a cultura.
Hajar lembrou da negativa da Funarte em patrocinar um festival de música na Bahia sob o argumento de que a música “deve servir para louvar a Deus”, classificado por ele como um ato como fascista.
“Há uma grande diferença entre o Estado fomentar a cultura e dizer o que deve ser produzido. O idealismo do que é uma cultura correta e o que é uma cultura degenerada gerou todos os conflitos do século 20”
Gehad Hajar
Leis e editais que excluem
“A Lei Aldir Blanc mostrou que não estamos focados no ser humano, mas no produto e no serviço”, observa. Isso porque grande parte dos R$ 3 bilhões destinados para fomentar o setor durante a pandemia e garantir renda aos trabalhadores não chegou à ponta.
“Não adianta ter muito dinheiro se não soubermos o q fazer com isso”
Gehad Hajar
Hajar atribui o problema à própria Lei, que não previu os mecanismos mais eficazes de fazer os recursos chegarem aos seus destinos.
Ele cita também barreiras impostas pelos próprios editais de fomento à cultura.
Os editais, argumenta, não são acessíveis para todos os trabalhadores do setor. São cheios de meandros e solicitações que a grande maioria dos artistas têm dificuldade em atender, especialmente, os mais periféricos.
Outra questão problemática, afirma, é a Lei Rouanet. O pesquisador observa que entra justamente na lógica de definir o que deve ou não ser patrocinado, já que cabe às empresas que receberão os incentivos fiscais aprovarem ou não os projetos.
Talentos que se vão
Para além de sequer existir um ministério específico para a cultura, atualmente, Hajar afirma que o Brasil é o quarto maior exportador do planeta em produtos culturais. O que aumenta a importância da “valorização da diversidade, manutenção dos pequenos, dos que não são vistos.”
“Termos diretamente ligados à música brasileira, como axé e funk, estão entre os maiores vernáculos procurados no Google”, observa.
Porém, a falta de incentivos faz com que o país perca muitos de seus talentos em busca de oportunidades lá fora.
“O Brasil perde em dinheiro, riquezas e capital humano. [ a falta de incentivos] faz com que o Brasil seja um dos maiores produtores de trabalho da cultura para a Europa. Tenho dificuldade em manter os trabalhadores aqui”, afirma.
Estado não cumpre seu papel
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, afirma que a cultura sofre dos mesmos problemas que afetam também ciência e tecnologia no país.
“O Estado renuncia à sua condição de formular políticas públicas – que é o seu papel em todas as áreas”
Carlos Siqueira
O que para o dirigente, comprova novamente que a teoria de que “o mercado resolve” é totalmente vazia.
“Quando o Estado exclui o seu papel, está concentrando riqueza”, afirma o socialista.