Pular para o conteúdo principal

Após 101 anos, uma estreia (Papilio innocentia) - [Revista CONCERTO, nº 233, nov. 2016]





[Revista CONCERTO, nº 233, novembro de 2016, página 24]

Após 101 anos, uma estreia

Ópera de Leonard Kessler, escrita em 1915, mas nunca apresentada, é destaque da programação do II Festival de Ópera do Paraná

Por João Luiz Sampaio

O nome Leonard Kessler perseguiu durante certo tempo o pesquisador Gehad Hajar. O foco de seu trabalho sempre foi a música brasileira, em especial as óperas. E foi justamente enquanto trabalhava no acervo de Nicolau dos Santos, compositor que atuou no Paraná no início do século XX, que ele achou uma referência ao nome do músico suíço e de sua ópera Papilio innocentia. “Pouco depois, ele reapareceu em um texto de Andrade Muricy, que falava do modo como ele utilizava o fandango paranaense na partitura. Mas era isso”, conta Hajar. A curiosidade só aumentava. Como soaria essa música de um compositor suíço, radicado no Paraná, para uma história sobre uma índia que se apaixona por um português?
A luz veio quando Hajar, há três anos, teve acesso ao acervo da pianista René Devraine, uma das fundadoras da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. “Repassando o material, lá estavam os manuscritos escritos a lápis, imagine só, de Papilio innocentia.” A curiosidade logo se transformou em um trabalho de revisão e edição da partitura, cuja versão para canto e piano acaba de ficar pronta e será apresentada neste mês no Teatro Guaíra, dentro da programação do II Festival de Ópera do Paraná, que tem direção-geral de Hajar, direção artística de Jean Reis e direção pedagógica de Marília Teixeira.
Kessler nasceu em 1881. Estudou em Paris e logo assumiu o posto de regente da Orquestra do Teatro Imperial de Riga. No início do século XX, passou a trabalhar com a Companhia de Operetas Paderesky. O grupo viajava o mundo e, pelas tantas, desembarcou no Brasil. Fez apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo. Chegou a Curitiba e, depois de uma temporada de sucessos, por algum motivo se desfez. Parte do conjunto voltou para a Europa. Mas não Kessler. “Ele ficou por aqui e logo se inseriu no meio musical. Em 1912, regeu a estreia de Sidéria, de Augusto Strasser, e se aproximou do compositor e regente Benedicto Nicolau dos Santos, autor de Marumby e maestro que regeu um dos primeiros concertos com obras de Villa-Lobos, que viveu durante um breve período no Paraná”, lembra Hajar. O libreto para Papilio innocentia foi escrito por Emiliano Pernetta, “príncipe dos poetas simbolistas do Paraná”, baseado em argumento do Visconde de Taunay, “que foi presidente da província do Paraná”.
Sidéria e Marumby foram apresentadas na edição do ano passado do festival. E, em 2016, diz Hajar, estava na hora de Kessler subir ao palco do Guaíra. Justiça histórica. Coisas de Brasil, Papilio innocentia nunca estreou. “A ópera estava pronta, mas um político exigiu que o teatro fosse liberado na data prevista para a estreia, em 1915, para uma reunião. Os dias se passaram, e nada acontecia. Até que toda a equipe desistiu. Foi um golpe duro em Kessler, que em 1926 cometeria suicídio. Estamos contentes que a filha dele, hoje com 96 anos, poderá acompanhar a apresentação.” Segundo Hajar, a música da ópera “é sua principal característica, com uma riqueza incrível, de forte influência germânica, mas preocupada também com elementos brasileiros”. A produção do festival, com acompanhamento ao piano de Priscila Malanski e direção musical de Hajar, será apresentada no dia 27.
A programação inclui também a primeira montagem brasileira profissional de O franco-atirador, ópera de Carl Maria von Weber que, no início do século XIX, marcou uma revolução dentro do gênero na Alemanha. A produção, com récitas nos dias 12, 13 e 14, será regida por Stefan Geiger, à frente da Orquestra Sinfônica do Paraná. No elenco, cantores como Luciana Melamed, Norbert Seidl, Ana Paula Machado e Axel Wolloscheck. “É um título importante para a história da ópera e para o público paranaense, com forte ascendência germânica; assim, pareceu-nos interessante programá-lo”, diz Hajar. A Camerata Antiqua, por sua vez, vai apresentar a comédia madrigal Barca di Venetia per Padova, de Adriano Banchieri, que levará o público de volta ao momento do nascimento da ópera e de múltiplas formas de teatro musical. “A montagem está ficando bem interessante, teremos um barco no palco do Guairinha”, conta Hajar. Sucesso da edição do ano passado, La serva padrona, de Pergolesi, volta à programação, sendo apresentada ao ar livre e no Centro Cultural Sesi Heitor Stockler. Também estão previstas versões pocket de La traviata, de Verdi, e Rita, de Donizetti. 
“A ideia de trazer La serva padrona de volta tem um pouco a ver com aquela que acreditamos ser a função do festival. O sucesso da montagem no ano passado foi enorme, com plateias repletas de jovens. O fato é que o público paranaense ficou muito tempo distante da ópera. E, se há um grupo de pessoas sempre interessado e presente, lotando o teatro, também se mostra necessário formar novas plateias, refazer um público que acabou não sendo alimentado e estimulado nos últimos tempos”, explica Hajar. 
O Festival de Ópera do Paraná abrigará também uma destacada agenda pedagógica, dirigida por Marília Teixeira, que contará com a realização do Simpósio Brasileiro de Canto. 

AGENDA

II Festival de Ópera do Paraná
De 12 a 27 de novembro, em Curitiba

Postagens mais visitadas deste blog

Curitiba já foi capital do Brasil e é mais antiga do que se imagina (Matéria do Jornal Comunicação On-line - UFPR)

Pesquisadores revisitam a história da cidade e apontam fatos históricos desconhecidos pela população Reportagem: Felipe Nascimento Edição Renata: Portela Responda a seguinte pergunta: quais cidades foram capitais do Brasil? Um bom estudante de história responderia Salvador, Rio de Janeiro e Brasília. Mas o que poucos sabem é que Curitiba já foi oficialmente capital brasileira. Esse é somente um dos fatos históricos pouco conhecidos sobre a cidade apontados por dois pesquisadores da história do Paraná. Gehad Hajar, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, é um desses pesquisadores.  Ele está realizando a pesquisa “Curitiba: de povoado à capital do Brasil”, que deverá ser lançada em livro no segundo semestre de 2011. A cidade foi capital federal entre 24 e 27 de março de 1969, época em que vigorava a ditadura militar. De acordo com o pesquisador, a mudança foi por uma questão propagandística. “Curitiba era uma das capitais brasileiras que não

Apresentação do livro "Monumentos de Curitiba" - 2° edição

Apresentação Há muito sentia-se falta de um inventário do patrimônio artístico e cultural nos logradouros e próprios públicos do Município de Curitiba.  Ei-lo: Monumentos de Curitiba, nossa pesquisa de mais de uma década, em que corremos a campo, percorrendo ruas, praças e prédios a fim de elencar, catalogar e fotografar as hermas, bustos, placas, monólitos, estátuas, fontes, repuxos, relógios, árvores preservadas, monumentos, obras de arte, enfim, tudo que esteja exposto publicamente e agregue valores culturais e históricos à memória da cidade.  No afã de ajudar em futuros estudos, restaurações, reposições, manutenções e análises, as fichas tendem a trazer informações mínimas, padronizadas e necessárias, acompanhadas de fotos dos principais bens. Nossa coleção pública é valiosa. Temos desde o monólito do séc. XVII de posse portuguesa sobre este território, na praça Tiradentes; a última argola de atracamento de cavalos do séc. XVIII, na rua de São Francisco; o primeiro

Vida e obra de Gehad Hajar (e-cultura)