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Sobre Música Erudita Curitibana e Brasileira - Via Palermo 42

µÚsica erudita: dE BACH A 
BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS

ESCRITO POR - Victória Pagnozzi


Mozart, Chopin, Bach, Beethoven. Todos são conhecidos mundialmente como representantes da música erudita. Ou da música clássica, como é popularmente chamada – apesar de o termo, a priori, referir-se apenas a composições do período clássico da música, que vai da segunda metade do século XVIII ao início do século XIX.
A música erudita, que surgiu na Europa medieval, espalhou-se pelo resto do mundo e chegou ao Brasil praticamente junto com os portugueses. De acordo com uma publicação do Departamento Cultural de Itamaraty intitulada “Música Erudita Brasileira”, o rei D. João V mandou jovens músicos portugueses à Itália para estudar o estilo musical e apresentá-lo para a corte de Lisboa. Como o Brasil era a maior colônia portuguesa da época, e absorvia todas as novidades da metrópole, a produção musical daqui passou a ser feita do mesmo jeito. Dentre os vários compositores de música no país, um dos mais importantes e destacados foi certamente o paulista Antônio Carlos Gomes, que compôs sua primeira ópera em 1861.

“O Guarani”, uma das principais obras de Carlos Gomes, é também tema do programa “A Voz do Brasil”.
Mesmo com séculos de produções, a música erudita brasileira ainda é muito pouco conhecida do grande público. Muitos lembram-se apenas de Villa-Lobos e Camargo Guarnieri. Mas não sabem quem é Nelson Freire ou Antonio Meneses. O primeiro, pianista mineiro de 70 anos, é vencedor de um Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Clássica. O segundo, violoncelista pernambucano, foi indicado ao Grammy Award de Melhor Solo Instrumental Clássico.
Os fatores desse desconhecimento, segundo a publicação do Departamento Cultural de Itamaraty, são dois: “A falta de programas editorais eficazes para a publicação de obras compostas no Brasil desde o século XVIII e o próprio desincentivo ou mesmo desinteresse das corporações musicais em conhecer e programar esse repertório em seus concertos”. Isso pode ser somado ao fato de que, depois da Proclamação da República, em 1889, a música erudita foi “posta de lado”, em uma tentativa de romper com as coisas vindas da antiga metrópole. É claro que isso não fez com que o estilo musical sumisse do país. Mas fez com que, infelizmente, os antigos músicos eruditos brasileiros caíssem no esquecimento. Não só do público, mas dos próprios músicos atuais, que executam Mozart incansavelmente, mas não conhecem a obra de Carlos Gomes. Para o pesquisador Gehad Hajar, um outro problema é a desvalorização da produção nacional por parte da formação acadêmica: “As nossas próprias escolas de música e faculdades não formam um músico para a produção nacional antiga ou contemporânea”.
Música erudita curitibana
Desde a fundação da cidade de Curitiba, em 1693, já havia aqui a presença da igreja católica e, com ela, da música erudita. Segundo o pesquisador Gehad Hajar, a primeira menção documental sobre a música na cidade está nas atas da Câmara Municipal de 1695, que diz que o ofício musical da capela da cidade (hoje a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz, situada na praça Tiradentes) consumia quase um terço de todo o dinheiro do município. Já aí percebe-se a grande importância que a cidade dava para a música em seu surgimento. “Difícil encontrar outra grande cidade ou capital que tinha a mesma preocupação com a música como Curitiba”, afirma Hajar. Para ele, isso talvez possa ser atribuído às origens das pessoas que moravam aqui. A maioria era da província do Minho, no norte de Portugal, onde a música era muito importante.
Em 1721, Rafael Pires de Pardinho, mais conhecido como Ouvidor Pardinho, visitou Curitiba e deixou apontamentos a partir dos quais a cidade deveria ser governada. Um desses apontamentos determinava que a música não ficasse mais a cargo do poder público, e a música erudita passou às mãos de irmandades religiosas. Quem passou a bancar a manutenção da música, então, foram os membros da elite curitibana da época – que, em sua maioria, faziam parte das ordens religiosas.
Quando o Paraná emancipou-se de São Paulo, em 1853, Curitiba foi escolhida como a capital da nova província. “Como toda capital precisa ter uma aura de cidade grande, a música começou a aparecer de forma mais profícua. As famílias passaram a mostrar interesse nela e, junto com o francês, a música erudita foi incluída na educação da elite”, explica Gehad. Ele conta que o primeiro piano de Curitiba pertencia a um homem chamado Lourenço Pinto: “Ele não sabia tocar piano, mas era bonito, era aristocrático ter um na sala”. A partir daí, a música erudita passou a ser, mais do que nunca, uma expressão da aristocracia. Surgem então, em 1880, os primeiros compositores curitibanos fora do ambiente da igreja. Um grande nome é Benedito Nicolau dos Santos, nascido em 10 de setembro de 1878. Apesar de também executar obras de outros compositores, Benedito dedicou grande parte da sua vida a criar suas próprias músicas. Uma de suas óperas, “A Vovozinha”, composta em 1909, foi a primeira peça infantil do Brasil.
No século XX, surgiram as primeiras orquestras curitibanas – grande parte delas influenciada pelos imigrantes vindos principalmente da Itália e da Alemanha. Além disso, Curitiba tornou-se cidade de passagem de várias orquestras importantes do Rio de Janeiro e São Paulo, que iam em direção a Buenos Aires. Foi aí que os curitibanos começaram a ver óperas compostas pelos italianos Giuseppe Verdi e Giacomo Puccini. “Como ainda não existia rádio e nem televisão, as pessoas nunca haviam tido acesso a essas obras”, esclarece o pesquisador Gehad Hajar.

Capela Santa Maria, no Centro de Curitiba. Foto: Divulgação.
Hoje, o espaço mais tradicional de música erudita da capital paranaense é a Capela Santa Maria, de responsabilidade da Fundação Cultural de Curitiba. Localizado no centro da cidade, o espaço oferece uma programação de diversos concertos durante todo o ano. A coordenadora de música erudita da Fundação, Janete Andrade, diz que o principal incentivo que a Prefeitura dá à Capela é a manutenção do corpo artístico. Ela diz que o público de seus concertos se mantém estável, mas que gostaria de atrair mais pessoas: “É um trabalho constante. A gente luta por esse espaço, luta para que o público aumente”. Mesmo assim, ela acredita que os curitibanos têm um interesse maior em música erudita do que outros lugares: “A cidade, por ter influência europeia – com muitos alemães e italianos -, ainda nutre certo interesse por esse estilo musical”.
O violinista, maestro e professor Paulo Torres discorda de Janete: “Os curitibanos de maneira geral não têm gosto pela música erudita. São pouquíssimos segmentos que realmente a compreendem e a amam de verdade”. Torres já realizou mais de quatro mil concertos com inúmeras orquestras das Américas e da Europa como spalla, solista e regente. Foi professor de várias universidades norte-americanas, participou de diversos festivais internacionais de música e também faz parte da Orquestra Sinfônica do Paraná desde seu surgimento, em 1985. O maestro acredita que há espaço em Curitiba para os artistas de música erudita construírem suas carreiras, mas alerta que a principal dificuldade a ser enfrentada é a falta de investimentos na cultura e nas artes: “Os músicos precisam ser muito criativos e quase bancar suas próprias carreiras”.

A Orquestra Sinfônica do Paraná. Foto: Karin Broocke/Divulgação.
O pesquisador Gehad Hajar afirma que a música erudita curitibana não cresce pela falta de mecanismos de difusão do estilo. Para ele, o público hoje é mais seleto porque muitas pessoas não conseguem ter acesso a esse tipo de música: “A gente não consegue amar o que não conhece”. Visto que é difícil encontrar obras gratuitas ou baratas sobre música erudita, isso acaba tornando-a elitizada. Mas Gehad afirma que, se tiverem a oportunidade de ter contato com a música, as pessoas provavelmente gostarão. “Recriamos a ópera A Vovozinha, de Benedito Nicolau dos Santos, na Capela Santa Maria em 2012 e levamos crianças pobres, que nunca tinham ido a um teatro antes, para assistir. E elas adoraram!”, conta animado.

A ópera “A Vovozinha”, apresentada na Capela Santa Maria em 2012.
Como forma de atrair e prender a atenção de mais pessoas, Gehad sugere que as orquestras se reinventem. “Num mundo onde eu posso, através do meu celular, ter acesso a um material audiovisual extremamente chamativo e colorido, como conseguir arrastar o povo para dentro de um teatro? É preciso uma ótima proposta para cativá-los”, afirma. Para ele, o antigo formato de ir ao teatro como espectador e ver o concerto de modo passivo não funciona mais. Ele conclui: “Talvez nos séculos XVII, XVIII, XIX e começo do XX esse formato funcionasse. Mas hoje, com a era da informação, precisa mudar”.

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