Rafael Rodrigues Costa
“A Sertaneja”, uma fantasia criada sobre “Balaio, Meu Bem, Balaio”, precede em décadas a utilização da tradição popular na música de concerto brasileira ao incorporar uma cantiga do folclore tropeiro. “No Brasil, todos os outros ainda estavam compondo no estilo europeu”, explica a historiadora social da arte Elisabeth Prosser. “Outros compositores, como Heitor Villa-Lobos (1887-1959), também fariam isso, mas meio século depois”, ressalta.
Para Gehad Hajar, que é pesquisador do grupo de estudos de música paranaense da Unespar, este pioneirismo permite afirmar que Itiberê inventou a música brasileira. “Isto é reconhecido pelos musicólogos desde os anos 1930”, explica Hajar, destacando que Itiberê tipografou sua primeira polca, uma das maiores influências do choro, antes mesmo de Joaquim Callado (1848-1880), que é o pai do gênero carioca.
“Não havia a figura do compositor de música brasileira. Quem compunha eram os mesmos mestres de capela que compunham música sacra. O primeiro que pegou um elemento musical ‘folclórico’, uma música altamente marginal, e colocou num conceito acadêmico, foi o Brasílio Itiberê”, diz Hajar.
“Os elementos locais eram considerados bregas. Tinha-se orgulho de pensar em francês e ojeriza a ritmos brasileiros. Um homem que, na metade do século 19, compõe com elementos locais, criando esta estética musical nova, tem a função social da invenção da música brasileira”, defende.
Outra obra de Itiberê, “A Serrana”, também teria a mesma característica nacionalista.
Tido como um pianista de alto nível, Itiberê foi influenciado por compositores como Chopin e Franz Liszt – um dos maiores de seu tempo e amigo do paranaense. Mas é provável que a convivência com colegas de faculdade como Ruy Barbosa, Castro Alves e Rodrigues Alves, e o contato com ideias nacionalistas também tenham moldado as ideias musicais do parnanguara, que não chegou a escrever sobre elas. A presença no Brasil do famoso pianista Louis Gottschalk (1829-1869) também pode ter sido uma referência decisiva para o feito do paranaense, de acordo com a pesquisadora Marília Giller. O americano era um especialista no uso de elementos populares em suas músicas. “Ele estava em contato com esse compositor”, conta a pesquisadora.
As lacunas ainda estão por ser preenchidas, no entanto. “É fantástico [que um paranaense tenha sido pioneiro na música brasileira]. Por isso, somos apaixonados por essa história”, diz Marília. “Ainda a estamos montando.”