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O Paraná que os brasileiros ignoram (Gazeta do Povo)

O Paraná que os brasileiros ignoram

Pesquisa nacional revela que o estado é um ilustre desconhecido. Causas vão da falta de identidade à não valorização do que é local
O escritor Jamil Snege (1939-2003) estava enganado. Para tornar-se invisível em Curitiba não é preciso “andar por essas manhãs de muita neblina”, tampouco “ter um talento genuíno.” Basta existir. Para o azar de quem vive na capital mais fria do Brasil ou em uma das outras 398 cidades do estado, 43,7% das pessoas não sabem em que região do país fica o Paraná. Pior: 49,6% não têm ideia de que a capital é Curitiba.
Christian Rizzi/ Gazeta do Povo
Christian Rizzi/ Gazeta do Povo / As Cataratas do Iguaçu foram o ponto turístico mais lembrado: beleza indescritívelAmpliar imagem
As Cataratas do Iguaçu foram o ponto turístico mais lembrado: beleza indescritível
Paranismo
Movimento “unificador” foi interrompido por Getúlio Vargas
Entre as décadas de 1920 e 1930, uma organização de distintos cavalheiros quis dar voz e vez ao estado. O Movimento Paranista, capitaneado por Romário Martins (1874-1948) e uma trupe animada que contava, entre outros, com João Turin, Zaco Paraná, Benedito Nicolau dos Santos, Laertes Munhoz, Emiliano Perneta e Nilo Cairo, surgiu na esteira do sucesso econômico da erva-mate para exaltar os feitos políticos e culturais do estado. É dessa época a criação do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, da Academia Paranaense de Letras, do Museu Paranaense e do Parque Nacional do Iguaçu. O movimento foi interrompido pelo “modernismo” do interventor Manoel Ribas e pela unificação total do poder no país com a Revolução de 1930 que, por exemplo, extinguiu os hinos municipais. “Mesmo assim o gauchismo continuou”, cutuca o pesquisador Gehad Hajar, da UFPR.
Cena musical não ecoa fora do estado
Na última terça-feira, a rap­­per curitibana Karol Conká desbancou a poderosa Anitta e levou o prêmio Multishow de “Artista Revelação.” No dia seguinte, o jornal carioca O Globo publicou na capa de seu caderno de cultura uma reportagem sobre novas bandas de Curitiba. Elogiou uma e outra, e lembrou a diversidade da música produzida no estado.
O bom momento da “cena” local desafina quando lembramos da pesquisa, que mostrou que 96% dos entrevistados não souberam citar um músico local. Os três primeiros lembrados foram Chitãozinho e Xororó, que nasceram em Astorga (0,7%), Michel Teló, de Medianeira, (0,5%) e Banda Blindagem, de Curitiba (0,2%). “O que acontece?” parece ser uma pergunta eterna na terra de Waltel Branco e outros gênios.
“Isso me causa espanto”, diz Paulo Juk, baixista da Blindagem. “Mas é aquela coisa: se não somos ouvidos na nossa casa, não vamos ser ouvidos fora dela.” A Blindagem foi um sucesso tremendo entre os anos de 1982 e 1993. Lotava o Teatro Guaíra e fazia a festa no programa do Chacrinha. Para Juk, o que atrapalha é a inexistência de um movimento, como o do rock gaúcho, consequência direta da ausência de identidade. “As pessoas não são habituadas a ouvir musica autoral em Curitiba.”
Caiobá
Matinhos/Caiobá foi a praia paranaense mais citada por 4,8% dos 2.550 entrevistados pela Paraná Pesquisas em outros estados. Em seguida, vem Guaratuba, com 2,7%.
Poty
O desenhista e gravurista Poty Lazarroto (1924-1998) foi o artista plástico do Paraná mais lembrado no levantamento, com 0,2% das citações. Ele foi mais citado que o pintor e escultor Alfredo Andersen (1860-1935).
Os dados são do instituto Paraná Pesquisas, que ouviu 2.550 pessoas maiores de 16 anos em 177 cidades de todas as regiões do Brasil entre 24 e 30 de junho de 2013. Se a cultura de um povo é seu cartão de visitas, também vamos mal: 96% dos entrevistados não souberam citar o nome de algum músico ou banda do estado – pobres Belarmino e Gabriela. Em relação a escritores, 99,1% não se lembraram de um só autor nascido por essas paragens.
As explicações passam pelo tamanho do país, pelo fato de o Paraná ser um estado relativamente novo, e principalmente pela ausência de identidade, catalisada historicamente pela algazarra étnica dos povos que construíram aqui suas casinhas com lambrequins. Em Curitiba, a dispersão das colônias é um bom exemplo. “Os italianos do Água Verde não se davam com os poloneses do Abranches. Entre diversas etnias, houve ‘guerras’ épicas. Por isso é difícil termos um produto consolidado disso tudo, um povo que pense da mesma forma”, explica Gehad Hajar, escritor e membro do Núcleo de Pesquisas dos Processos Identitários da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Contra a crise de identidade de algo que ainda está em “formação”, a lição de casa é o apoio ao que é local. “Não valorizamos o que é nosso. Tirar o petit-pavé da calçada e colocar um pedaço de concreto é a prova cabal de que o Paraná não compartilha de sua própria história”, brada Hajar.
E parece que só quem vê de fora reconhece: morar em uma cidade do estado é “melhor” do que se estabelecer em outra região do Brasil para boa parte dos entrevistados (35,8%).
O tempo passa...
Bamerindus, Batavo, Prosdócimo, Móveis Cimo, Matte Leão. É tudo história. A ausência de marcas paranaenses conhecidas fora do estado, seja porque faliram ou porque foram vendidas, é um aditivo na fórmula do invisível. Segundo a pesquisa, 87% das pessoas não souberam citar uma empresa ou produto feito por aqui. A marca mais lembrada foi O Boticário, com 1,2%. “A falta de representatividade ajuda a piorar a percepção”, diz o professor de Ciências Políticas da UFPR Ricardo Oliveira, para quem o buraco é mais embaixo. “Há um desconhecimento sobre geografia e cultura geral que denota o problema crônico de educação básica no país.”
Deve ter sido por essas e outras que Paulo Leminski – lembrado por apenas 0,4% dos entrevistados como um escritor paranaense, mesmo com o sucesso da coletânea Toda Poesia – um dia escreveu: “Cuidado, inveja é pecado/ e Deus castiga/ Na próxima encarnação/ Vais nascer em Curitiba.”
Resultado do estudo é realista, mas não pode ser supervalorizado
Desde maio do ano passado a revista Helena – publicação trimestral da Secretaria da Cultura do Paraná –, divulga as manifestações culturais do estado e “redescobre” suas diversas regiões. O jornalista Omar Godoy, editor do suplemento cujo nome homenageia a poeta Helena Kolody (1912-2004), não se descabela com os dados da pesquisa. “Não é um pecado tão grande. Poucos estados têm uma visibilidade maior”, relativiza.
A desconexão entre Curi­tiba e o interior é outro nó. “Se o Paraná não se conhece, como vamos querer que todo mundo nos conheça?”, provoca. Um dado que comprova a tese é a demora na ligação entre Curitiba e Londrina, só consolidada com a inauguração da Rodovia do Café, na década de 60.
Nem ele
Ganhador dos prêmios mais importantes da literatura nacional com seu livro Filho Eterno (2007), o escritor Cristóvão Tezza – nascido em Santa Catarina, mas curitibano de falar “vina” e “penal” – não foi nem sequer citado pelos entrevistados. “No país, o número de leitores é insignificante. A pesquisa é um reflexo realista, mas não pode ser supervalorizada”, alerta ele, que também é colunista da Gazeta do Povo.
Além de “jovem”, Tezza afirma que o Paraná é ainda “bruto”, um estado em processo de construção. Por isso o estudo, que “daria no mesmo se fosse feito em outro estado”, não o preocupa. “Às vezes nos perguntam qual é a capital do Amapá e ficamos meio perdidos, não é?”




http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1406603&tit=O-Parana-que-os-brasileiros-ignoram

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