Pular para o conteúdo principal

Anos de Chumbo (Gazeta do Povo)


Hugo Harada/Gazeta do Povo
Hugo Harada/Gazeta do Povo / Carlos Vilas Boas interpreta Ildeu Manso Vieira, um dos presos políticos detidos no Presídio do Ahú na década de 70: relatos de tortura 
Carlos Vilas Boas interpreta Ildeu Manso Vieira, um dos presos políticos detidos no Presídio do Ahú na década de 70: relatos de tortura

Peça curitibana, que estreia no Festival de Teatro, será encenada no Presídio do Ahú e desencava fatos reais e pouco conhecidos sobre a tortura no Paraná durante a ditadura militar

Helena Carnieri

É difícil responder à pergunta “que peça você recomenda no festival?” Mas um gênero que pode ser indicado, sem dúvidas, é o de peças apaixonadas. São trabalhos que partem de muita pesquisa e um ideal, como Memórias Torturadas – A Ditadura e o Cárcere no Paraná. A proposta partiu do ator Gehad Hajar, que também é pesquisador e estudou Direito, Ciência Política e Pedagogia. Incomodado com uma enquete realizada em 2006 em que Curitiba mostrou ter o maior número de jovens brasileiros que desejam o retorno da ditadura militar, ele resolveu buscar histórias reais que jogassem luz sobre as agressões praticadas durante os anos de chumbo no Paraná. “É um tema que nunca foi trabalhado. É como se não tivesse acontecido”, disse Hajar à Gazeta do Povo.


Hugo Harada/Gazeta do Povo
Hugo Harada/Gazeta do Povo / Três celas foram transformadas em cenários com objetos da própria prisão 
Três celas foram transformadas em cenários com objetos da própria prisão

A pesquisa começou no Arquivo Público do Estado, onde estão documentos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Hajar também pesquisou em edições da época da Gazeta do Povo e no livro Memórias Torturadas e “Alegres” de um Preso Político, de Ildeu Manso Vieira.
“Fui o primeiro a abrir algumas daquelas pastas e vi um material riquíssimo. Inclusive documentos que provam que Che Guevara passou por Curitiba.”
Essa e outras informações foram sendo incluídas na trama, que se passa no único lugar julgado pela equipe como adequado: o Presídio do Ahú, por cujas celas passaram presos políticos na década de 70 durante a Operação Marumby, braço da Operação Condor – aliança de regimes militares na América do Sul para eliminar adversários políticos – no Paraná. Pela prisão desativada em 2006 já passaram os elencos da série O Astro, dos longas-metragens 400 contra 1 e Estômago e do curta A Fábrica.

Almas
O cenário e o horário escolhido (meia-noite) se somam para compor o clima de medo e mistério da peça, que começa ainda do lado de fora do presídio. Ao en­­trar pelos corredores gelados, o público ouvirá um áudio que remete à alma de um dos presos-narradores.
Dos torturados pesquisados, foram selecionados quatro como personagens. Ildeu, interpretado por Carlos Vilas Boas, foi preso no Ahú junto com o filho, adolescente de 17 anos. Os outros são Jodat Nicolas Kury (Paulo Ney), Jacob Schmidt (Martin Esteche) e Diogo Affonso Gimenez (Ricardo Alberti), estivador que teve papel relevante na comunidade formada na prisão. O elenco se completa com Ithamar Kirchner, que faz um carcereiro.
A maior parte dos diálogos se dá em três celas situadas numa galeria no terceiro andar do presídio. Nesses cubículos, o artista plástico Gustavo Krelling criou interferências a partir de objetos encontrados ali mesmo pela produção do espetáculo – uma cadeira, documentos, um urinol, e cadernos estampados com o rosto de Cristo.
Nas paredes, ele gravou o nome dos encarcerados, assim como palavras de ordem e outras referências. “A cadeia já é um espaço muito cenográfico. Não quis mexer muito. Me inspirei na obra de Artur Barrio, português que se definiu como marginal e usava muito carvão, cordas e objetos assim.”
Não há cenas de agressão, apenas relatos verbais. A tortura era proibida no Ahú – o que não impedia que os presos fossem levados para apanhar em outros locais. Um dos assuntos debatidos pelos personagens – e garimpado por Gehad nos documentos de época – é a concentração de forças rebeldes contrárias à ditadura no Oeste do Paraná, guerrilha em formação desmantelada após delação.
Curitiba, capital do Brasil? Esse fato, ocorrido durante quatro dias em 1969, também é abordado. O grande interesse pelo tema por parte dos 32 membros da equipe faz de Memórias Torturadas uma peça apaixonada. “Coloquei no meu currículo que já lavei chão de cadeia”, brinca a coordenadora de produção, Beth Capponi.

Serviço:
Memórias Torturadas – A Ditadura e o Cárcere no Paraná. Presídio do Ahú – entrada pelo portão grande (Av. Anita Garibaldi, 750 – Ahú), (41) 8414-8416 e (41) 9633-7169. Dias 29, 30 e 31 de março e 5, 6 e 7 de abril, às 23h59. Classificação indicativa: 16 anos. R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada, mais R$ 3 de taxa de coveniência).

http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/festivaldecuritiba/conteudo.phtml?tl=1&id=1236093&tit=Anos-de-chumbo#ancora

Postagens mais visitadas deste blog

Curitiba já foi capital do Brasil e é mais antiga do que se imagina (Matéria do Jornal Comunicação On-line - UFPR)

Pesquisadores revisitam a história da cidade e apontam fatos históricos desconhecidos pela população Reportagem: Felipe Nascimento Edição Renata: Portela Responda a seguinte pergunta: quais cidades foram capitais do Brasil? Um bom estudante de história responderia Salvador, Rio de Janeiro e Brasília. Mas o que poucos sabem é que Curitiba já foi oficialmente capital brasileira. Esse é somente um dos fatos históricos pouco conhecidos sobre a cidade apontados por dois pesquisadores da história do Paraná. Gehad Hajar, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, é um desses pesquisadores.  Ele está realizando a pesquisa “Curitiba: de povoado à capital do Brasil”, que deverá ser lançada em livro no segundo semestre de 2011. A cidade foi capital federal entre 24 e 27 de março de 1969, época em que vigorava a ditadura militar. De acordo com o pesquisador, a mudança foi por uma questão propagandística. “Curitiba era uma das capitais brasileiras que...

Apresentação do livro "Monumentos de Curitiba" - 2° edição

Apresentação Há muito sentia-se falta de um inventário do patrimônio artístico e cultural nos logradouros e próprios públicos do Município de Curitiba.  Ei-lo: Monumentos de Curitiba, nossa pesquisa de mais de uma década, em que corremos a campo, percorrendo ruas, praças e prédios a fim de elencar, catalogar e fotografar as hermas, bustos, placas, monólitos, estátuas, fontes, repuxos, relógios, árvores preservadas, monumentos, obras de arte, enfim, tudo que esteja exposto publicamente e agregue valores culturais e históricos à memória da cidade.  No afã de ajudar em futuros estudos, restaurações, reposições, manutenções e análises, as fichas tendem a trazer informações mínimas, padronizadas e necessárias, acompanhadas de fotos dos principais bens. Nossa coleção pública é valiosa. Temos desde o monólito do séc. XVII de posse portuguesa sobre este território, na praça Tiradentes; a última argola de atracamento de cavalos do séc. XVIII, na rua de São Francisco; o...

Vida e obra de Gehad Hajar (e-cultura)