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Ópera Mundi: Após morte de Kadafi, líbios enfrentam o desafio de criar instituições públicas. (com dados nossos)

Regime centralizador do coronel deixou país sem estrutura de governo, dizem especialistas


A morte de Muamar Kadafi no último dia 20 de outubro deixou um vácuo de poder a ser preenchido por novas instituições democráticas. Agora sob o comando do CNT (Conselho Nacional de Transição), que prepara eleições para daqui a 20 meses no país, a Líbia busca formas de renovar suas instituições. Esse processo, aliado à pacificação dos heterogêneos grupos sociais líbios, traz incertezas quando ao futuro próximo da nação.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Opera Mundi, o período de transição que o país atravessa é crucial para moldar um novo arcabouço de organizações jurídicas, legislativas e executivas que atendam à população.

Para Salem Nasser, professor de Direito Internacional da FGV (Fundação Getúlio Vargas), as instituições líbias, até então, eram centralizadas por meio do forte comando de Kadafi. “O país nunca teve nada que merecesse a alcunha de instituição como conhecemos aqui no Brasil, por exemplo”, avaliou o professor. “Em termos políticos, legislativos e judiciários, até existia, mas com um caráter centralizador muito forte. Um homem mandava no país e todas as grandes decisões passavam por ele”, afirmou. Ainda segundo Nasser, as lideranças tribais foram enfraquecidas durante o governo de Kadafi justamente porque o ex-líder líbio priorizou instituições ligadas estritamente a ele, como o legislativo e o judiciário.


Kadafi concentrou poderes e não permitiu o fortalecimento de instituições tradicionais de governo

A Líbia, enquanto Kadafi esteve no poder, não teve Constituição. Quando iniciou seu governo, o ex-líder líbio aboliu as antigas leis e, posteriormente, publicou o Livro Verde. A obra traz detalhes de sua visão a respeito da democracia e outras questões políticas.

“Kadafi misturou as ideias socialistas com as islâmicas para criar o que ele chamava de Livro Verde. Qualquer um que era contra essas ideias, era perseguido no país”, afirmou Gehad Hajar, pesquisador da Universidade Federal do Paraná.

O Poder Legislativo era composto unicamente por membros do próprio governo. Já na política, o país tinha um único partido de forma legal, o União Socialista Árabe, de Kadafi. O Judiciário, na década de 70, passou para as mãos do Comitê Popular de Justiça (também formado por lideranças do partido) e funcionava como um tribunal supremo. No entanto, a influência de Kadafi também era fortíssima sobre a instituição.

No último dia 24, o presidente do CNT, Mustafá Abdeljalilm afirmou que a base da nova Constituição do país será a Sharia, lei islâmica. A declaração de Abdeljalilm, que era ministro da Justiça de Kadafi, levantou suspeitas a respeito da criação de um Estado fundamentalista. A hipótese, entretanto, foi rechaçada por Abdul Hafiz Ghoga, diretor do Conselho.

Há quem defenda, no entanto, que o ex-líder líbio tomou algumas medidas que permitiram aumentar seu apoio entre a população. Por conta dos recursos que recebia através da exploração de petróleo, Kadafi podia apostar em ações ousadas para que os líbios não questionassem a repressão do governo. Aliada à fragmentação da sociedade, a estratégia era funcionava bem. “Em uma população pequena com muita riqueza [proveniente do petróleo], era fácil controlar toda essa situação”, explicou Nasser.

“Ele prometeu uma casa para todos os cidadãos líbios, gratuitamente. Para quem se casasse, ele dava 50 mil dólares como ajuda de custo. Transformou a Líbia no país com o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e nível de escolarização da África e ainda ofereceu luz gratuita à população, assim como a educação e a saúde. Além disso, 11% dos estudantes de ensino superior estudavam fora, principalmente na Europa, financiados pelo governo”, completou Hajar.

Apesar disso, o regime de Kadafi mostrava-se cada vez mais repressor e agressivo. Para evitar um possível levante do Exército do país, o ex-líder líbio não investiu na instituição. Ao final de seu governo, a Líbia tinha pouco mais de 40 mil homens que estavam mal armados e mal treinados. Muitos deles, inclusive, se voltaram contra Kadafi.

O que o ex-líder formou foi uma rede de segurança própria, bem equipada e eficiente para evitar atentados contra seu governo. Essa situação gerava medo entre a população e muitos opositores ao regime desapareceram ou foram executados.

A revolta

Impulsionado pelos levantes em outros países árabes, no início deste ano, parte da população líbia foi às ruas contra o governo do país. A repressão apenas aumentou a indignação de grande parte da população, mas também de alguns países ocidentais que decidiram intervir sob o pretexto de proteger os civis.

Em 17 de março, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou uma resolução que permitia ataques aéreos contra as forças de Kadafi. No entanto, a medida impedia ataques contra civis no país. Ainda assim, parte da estrutura urbana foi destruída durante os confrontos entre os aliados do governo e os rebeldes, apoiados pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). À época, o ex-líder líbio também acusou os países ocidentais de matar civis com seus bombardeios.

Para Nasser, Kadafi soube como manter a população fragmentada durante todos esses anos, impedindo grandes revoltas ou organizações. “Ele tentava incentivar a organização política centrada em comitês descentralizados. Isso permitia que a fragmentação da sociedade líbia fosse mantida. Havia diversos centros de pequeno poder, como comitês populares ou grupos tribais e clãs. Em uma população pequena com muita riqueza era fácil controlar isso”, completou.

Serviços básicos


O brasileiro Frederico Cesarino hoje reside em Manaus (AM), mas no final da década de 1990 trabalhou na Líbia para uma empresa suíça de manutenção de turbinas para geração de energia elétrica. Inicialmente em Trípoli, Cesarino teve a oportunidade de conhecer alguns serviços líbios e não guarda grandes reclamações do período.

“Tanto os Correios quanto os Bancos funcionavam perfeitamente e era muito fácil enviar e receber encomendas. Também não tinha dificuldades para utilizar trocar os dólares por onde passei”, afirmou o brasileiro, que relatou também como era a mídia no país. “Os canais estatais predominam tanto no rádio quanto na TV e os jornais não faziam oposição nenhuma ao governo”, completou.

Ainda segundo Cesarino, havia apoio ao governo de Kadafi, apesar de algumas contestações a respeito da falta de sucessão no poder. “Tanto os meus empregados, quanto os taxistas, garçons e colegas de trabalho, gostavam muito do Kadafi”, complementou o brasileiro que elogiou também os sistemas de saúde e o incentivo à educação no país.

Apesar da existência de tais benefícios, o aumento da corrupção aliado aos mais de 40 anos do regime de Kadafi foram o estopim para que os jovens líbios acabassem se revoltando contra o governo. “Essa insatisfação coletiva acabou se juntando às revoltas dos outros países árabes e, aliada à forte repressão do governo, acabou se transformando nisto que aconteceu nos últimos meses”, concluiu Hajar.

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/17847/apos+morte+de+kadafi+libios+enfrentam+o+desafio+de+criar+instituicoes+publicas.shtml

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