Divisão tribal é o principal obstáculo para nova ordem na Líbia, dizem especialistas
País é historicamente repartido em grupos com distinções étnicas e culturais que disputam a hegemonia após derrubada de Kadafi
Para Salem Nasser, professor de Direito Internacional da FGV (Fundação
Getúlio Vargas), a queda de Kadafi por meio de uma guerra civil
proporciona um fértil terreno para que diferenças tribais, religiosas,
étnicas e regionais sejam revigoradas. “O desafio agora é manter a
coesão da sociedade no momento em que ela está se transformando. E há um
grande risco de que ocorra uma fragmentação”, afirmou Nasser. “Há
divisões internas. As próprias forças que derrubaram o Kadafi não são
coesas.”
Efe
Líbios rezam na capital Trípoli; futuro do país depende da conciliação das tribos
Efe
Líbios rezam na capital Trípoli; futuro do país depende da conciliação das tribos
A Líbia possui atualmente cerca de 140 tribos espalhadas por seu
território. A maior delas é a Werfalla, com quase um milhão de
integrantes. Presente na região de Misrata, mas aproximando-se de Sirte,
a tribo forma a maior parte do grupo rebelde. Em 1993, a Werfalla
chegou a tentar um golpe contra Kadafi, mas seus líderes acabaram
presos.
A segunda maior tribo também aderiu à revolta contra o ex-líder líbio. A Margaha se concentra em Tripolitânia e chegou a apoiar Kadafi no passado. Nos anos 1980, no entanto, foi afastada do poder. As tribos Misrata e Zuwwaya, da região de Cirenaica, também agiram contra Kadafi, sendo que esta última controla algumas regiões petrolíferas.
O apoio ao ex-líder líbio partiu principalmente de sua própria tribo, conhecida como Kaddafi, mas que não possui muitos integrantes. Localizada em Sirte, a tribo recebeu o apoio de grande parte da Taruna, da região de Tripolitânia, na defesa de Kadafi. A Barasa, consideravelmente grande, não tomou partido, principalmente pelo fato de que a segunda mulher do ex-líder líbio ser uma de suas integrantes.
Dividir para reinar
Para se manter no poder, ao mesmo tempo em que fez alianças com algumas das tribos do país, Kadafi impedia uma aproximação entre os grupos para evitar possíveis revoltas. Para isso, o ex-líder líbio estabeleceu centros de pequeno poder, que funcionavam como comitês populares, formados por grupos tribais. Dessa forma, essas tribos coexistiam, mas não eram próximas o suficientes para articularem uma revolta popular. A presença de tribos em países árabes é algo comum e dificulta, na visão ocidental, a uma aproximação da democracia.
“Para esses povos, que há quase mil anos já possuem um realidade
tribal, é muito difícil adequá-los às ideias do Ocidente. No
Afeganistão, não deu certo. No Iraque, também não deu certo. A guerra
civil líbia ainda não terminou internamente”, avaliou Gehad Hajar,
pesquisador da Universidade Federal do Paraná.A segunda maior tribo também aderiu à revolta contra o ex-líder líbio. A Margaha se concentra em Tripolitânia e chegou a apoiar Kadafi no passado. Nos anos 1980, no entanto, foi afastada do poder. As tribos Misrata e Zuwwaya, da região de Cirenaica, também agiram contra Kadafi, sendo que esta última controla algumas regiões petrolíferas.
O apoio ao ex-líder líbio partiu principalmente de sua própria tribo, conhecida como Kaddafi, mas que não possui muitos integrantes. Localizada em Sirte, a tribo recebeu o apoio de grande parte da Taruna, da região de Tripolitânia, na defesa de Kadafi. A Barasa, consideravelmente grande, não tomou partido, principalmente pelo fato de que a segunda mulher do ex-líder líbio ser uma de suas integrantes.
Dividir para reinar
Para se manter no poder, ao mesmo tempo em que fez alianças com algumas das tribos do país, Kadafi impedia uma aproximação entre os grupos para evitar possíveis revoltas. Para isso, o ex-líder líbio estabeleceu centros de pequeno poder, que funcionavam como comitês populares, formados por grupos tribais. Dessa forma, essas tribos coexistiam, mas não eram próximas o suficientes para articularem uma revolta popular. A presença de tribos em países árabes é algo comum e dificulta, na visão ocidental, a uma aproximação da democracia.
A situação dessas tribos, após a morte de Kadafi e a troca no poder, ainda é incerta. Apesar disso, os especialistas garantem que é necessário investir em uma união do país para gerar uma situação de calmaria favorável à construção do processo democrático.
Além disso, muitas das tribos presentes na Líbia não devem se sujeitar às determinações das potências ocidentais, após a queda do antigo regime. “Os líbios rejeitaram a ideia de uma força internacional para manter/buscar a paz. As novas autoridades disseram que querem trabalhar com a ONU (Organização das Nações Unidas) na construção de um novo Estado, mas não querem receber ordens”, afirmou Richard Gowan, diretor do Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova York.
O recém eleito premiê do país, Abdul Rahim El-Keeb, reconheceu na última terça-feira (01) as divergências existentes entre a população e até mesmo entre os próprios rebeldes. O empresário, no entanto, afirmou que a prioridade do CNT neste momento é formar um novo governo para o país e definir quem serão os ministros.
Repressão
Neste momento, uma das maiores preocupações de entidades de defesa dos direitos humanos diz respeito a uma possível violência contra aqueles que pertencem à tribo de Kadafi. Para Gowan, a repressão poderá trazer sérias consequências ao país.
“É inevitável que, infelizmente, ao final de uma sangrenta guerra,
os vencedores se comportem mal. E o novo governo não parece ter total
controle sobre algumas de suas forças”, disse Gowan, por telefone. “Se a
violência continuar assim, é possível que antigos
apoiadores de Kadafi se motivem a montar uma resistência de longa
duração contra o novo governo. Desordem nos primeiros três a seis meses
após o fim de uma guerra, muitas vezes geram grandes conflitos
posteriormente”, avalia.
Apesar dos pedidos do CNT para que permanecesse no país até o final
deste ano, a OTAN encerrou sua missão na Líbia na última segunda-feira
(31/10). As tropas ocidentais alegaram que o objetivo da investida era
proteger os civis e, com a morte de Kadafi, esse perigo já não existia.
Efe
Mesmo com os apelos de Mustafa Abudul-Jalil, presidente do CNT, OTAN decidiu sair da Líbia
Mesmo com os apelos de Mustafa Abudul-Jalil, presidente do CNT, OTAN decidiu sair da Líbia
Apesar da retirada da OTAN, as críticas quanto à atuação das tropas no
país ainda ecoam forte entre os especialistas da área. Para Mohamed
Habib, professor e pró-reitor de extensão e assuntos comunitários da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), as ações dos países
ocidentais deveriam, no mínimo, respeitar a infraestrutura do país, que
segundo ele foi destruída.
“Não poderiam simplesmente ignorar um governante, ainda que ele fosse
um ditador, sanguinário ou repressor”, afirmou. Ainda segundo ele, as
divisões na Líbia daqui para frente não ficarão restritas às questões
tribais.
“A divisão do povo líbio irá se caracterizar a partir de como o país irá se desenvolver em termos de alianças ou não com a comunidade europeia. A Europa está apresentando a fatura à Líbia, como fez os EUA com o Iraque. Os grupos que atuaram na revolução, no entanto, querem garantir a criação de um Estado autônomo, soberano e livre das influências estrangeiras. Eles até aceitam pagar a fatura de forma econômica, mas não política”, analisou.
Futuro do país
Se por um lado é necessário permitir que os próprios líbios decidam como será o futuro político e social do país, nem mesmo os que estão no poder neste momento sabem como farão para unificar o país, evitando o prolongamento dos conflitos internos.
“Não podemos aplicar nossos valores que consideramos democráticos àqueles povos. É diferente. Eles não têm o costume de um governo como entendemos aqui, no Ocidente. Estamos sempre tentando vender essa democracia aos árabes, mas não é possível. Até eles se acostumarem com isso, levará muito tempo”, avaliou Hajar.
O premiê El-Keeb informou que em 20 meses deverão ser realizadas eleições presidenciais e legislativas no país. Após quatro décadas com o mesmo líder no poder, os líbios esperam ansiosos pelas mudanças que enfrentarão nos próximos meses. Os especialistas, no entanto, não partilham do mesmo otimismo.
“O Ocidente não está deixando os países árabes em paz para que eles se desenvolvam democraticamente. Eu tenho medo que isso passe de Primavera para Inferno Árabe”, critica Habib. “Haverá divisões e divergências políticas [na Líbia], mas é possível agrupá-las em três ou quatro ideologias ou concepções políticas. Entretanto, essa calma interessaria a quem? E com que critérios irão acalmar esses grupos?”, questionou.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/17838/divisao+tribal+e+o+principal+obstaculo+para+nova+ordem+na+libia+dizem+especialistas.shtml
“A divisão do povo líbio irá se caracterizar a partir de como o país irá se desenvolver em termos de alianças ou não com a comunidade europeia. A Europa está apresentando a fatura à Líbia, como fez os EUA com o Iraque. Os grupos que atuaram na revolução, no entanto, querem garantir a criação de um Estado autônomo, soberano e livre das influências estrangeiras. Eles até aceitam pagar a fatura de forma econômica, mas não política”, analisou.
Futuro do país
Se por um lado é necessário permitir que os próprios líbios decidam como será o futuro político e social do país, nem mesmo os que estão no poder neste momento sabem como farão para unificar o país, evitando o prolongamento dos conflitos internos.
“Não podemos aplicar nossos valores que consideramos democráticos àqueles povos. É diferente. Eles não têm o costume de um governo como entendemos aqui, no Ocidente. Estamos sempre tentando vender essa democracia aos árabes, mas não é possível. Até eles se acostumarem com isso, levará muito tempo”, avaliou Hajar.
O premiê El-Keeb informou que em 20 meses deverão ser realizadas eleições presidenciais e legislativas no país. Após quatro décadas com o mesmo líder no poder, os líbios esperam ansiosos pelas mudanças que enfrentarão nos próximos meses. Os especialistas, no entanto, não partilham do mesmo otimismo.
“O Ocidente não está deixando os países árabes em paz para que eles se desenvolvam democraticamente. Eu tenho medo que isso passe de Primavera para Inferno Árabe”, critica Habib. “Haverá divisões e divergências políticas [na Líbia], mas é possível agrupá-las em três ou quatro ideologias ou concepções políticas. Entretanto, essa calma interessaria a quem? E com que critérios irão acalmar esses grupos?”, questionou.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/17838/divisao+tribal+e+o+principal+obstaculo+para+nova+ordem+na+libia+dizem+especialistas.shtml