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"Os Baianos, Estes Nossos Vizinhos" - O nosso discurso na Associação Comercial do Paraná alusivo aos 157 anos de emancipação política



Há 157 anos atrás, chegava às mãos de Dom Pedro II (o mais probo governante da história do Brasil, segundo Pedro Calmon) um projeto de lei recém aprovado: o que elevava à condição de Província a Comarca de Coritiba.

Este ano, 1853, representa ao Paraná o fim de uma angustia que durara 142 anos: em 1709, a disputa entre descendentes do Marquês de Cascaes e do Conde da Ilha do Príncipe (antigos donos dos territórios que formam o atual Paraná) faz com que o Rei Dom João V resolva levar estes territórios a leilão, em Lisboa. Nenhum interessado apresenta-se para a compra, que motiva a própria coroa adquiri-la por 2 mil contos de réis e anexá-la à administração da Capitania de São Paulo.

É aí que começa todos os problemas formativos do futuro Paraná.

O Brasil é elevado à Reino Unido, torna-se independente, e até o segundo reinado esta injustiça administrativa ainda não havia sido corrigida. Não bastavam os inquietantes protestos da Câmara de Paranaguá, e dos colégios eleitorais do termo de Coritiba, bem como a conjuração malograda (1821) e a fidelidade curitibana à coroa durante as revoluções Farroupilha (1835) e de Sorocaba (1842). O Paraná continuava sob o jugo paulista.

Porém, um advento de força política veio nos favorecer. Na disputa por espaço entre o gabinete ministerial e no parlamento, São Paulo e Bahia disputavam rixa. Deputados paulistas propõe a divisão da Província de Minas Gerais, criando a província de Sapucaí. Ligeiramente Minas e Bahia se juntam para derrubarem as pretensões políticas, econômicas e territoriais de São Paulo, e desenterram o projeto de criação do Paraná.

Em 1850 os projetos de criação do Amazonas e do Paraná já estavam conclusos, porém só aquele que seria criado a partir da divisão do Pará acabou por ser sancionado.

Três anos depois, e com o empenho parlamentar da bancada baiana e mineira (Cruz Machado), os debates no Congresso acabam por acalorar-se, e os argumentos dos deputados paulistas Ribeiro de Andrade, Pacheco Jordão e Joaquim Antonio Nebias e de um curitibano, o Conselheiro Carrão, foram vencidos.

O Paraná foi criado. Minas Gerais manteve-se intacta. Bahia merecia o primeiro governo.
E assim o foi. Um baiano de Valença, Zacarias de Góis e Vasconcelos, era designado durante sua lua de mel a rumar à longínqua e novel comarca, para instalá-la, finalmente.

Nossa relação com a Bahia havia sido traumática durante o século XVIII. Salvador era a capital, e lá estavam os representantes do Conselho Geral do Santo Ofício, e os visitadores da inquisição ameaçavam a paz de qualquer vila brasileira. Consta que chegaram a vir à Paranaguá, averiguar as acusações de bruxaria de certa Maria Bicuda, uma inocente índia catequizada.

Mas Zacarias revogou este estigma e legou-nos caras instituições para a província. Uma porção territorial, sem dinheiro, sem governo, sem organização, passou em menos de dois anos, a figurar como a mais promissora das províncias brasileiras, nas palavras do próprio imperador.

Zacarias criou as Secretarias de Governo, a Polícia Militar, o Arquivo Público, a instrução primaria, a Assembleia Legislativa...

Durante o império, cinco outros baianos haveriam de governar o Paraná: Francisco Liberato de Matos (1813 – 1892); Antonio Luiz Afonso de Carvalho (1828 – 1892); Rodrigo Otávio de Oliveira Menezes (1839 – 1882); Manoel Pinto de Souza Dantas Filho (1852 – 1937) e Sancho de Barros Pimentel (1849 – 1924).

Ainda neste período outro soteropolitano veio brilhar em nossas plagas: Dr. Cândido da Silva Muricy, médico fundador da Santa Casa de Misericórdia e estudioso da Botânica e das qualidades terapêuticas da flora curitibana.

Logo após proclamada a república, o baiano José Cerqueira de Aguiar Lima preside o estado por 6 meses.

Durante os fatídicos dias da retomada legalista, após a retirada maragata, durante a revolução federalista, outro filho da terra de ‘Castro Alves’ assume a ardil tarefa de governar o Paraná: Tertuliano Teixeira de Freitas.

Mario Gomes da Silva, baiano que já havia ocupado a pasta da Fazenda, foi nomeado Interventor Federal no Paraná, pelo Pres. Getúlio Vargas, por quatro meses.

Se juntarmos todo este tempo de governo baiano no Paraná, temos quase sete anos e dois meses de poder construtivo.

Impossível deixarmos de relevar, ainda, a incursão do Marechal Rondon contra a coluna Prestes, onde junto aos exércitos do sul, juntou-se o da Bahia.

É nesta azinhaga que o nosso orador da noite, o baiano (ou “curitibaiano”, como se autodenomina) Antony Leahy serve ao Paraná. Nascido a 3 de maio de 1967, é o sexto filho de pai irlandês imigrado ao sul da Bahia e de uma mãe de origem portuguesa.

Cresceu em sua terra natal. Graduou-se em Análise de Sistemas e coordenou os cursos da Escola de Magistratura da Bahia e dirigiu a Fundação Orlando Gomes, anexa à UFBA.

Mas seu amor à Curitiba e ao Paraná tem um curioso fundamento. Seu pai, irlandês, buscando o prazer do frio, anualmente visitava Curitiba no mês de junho, tendo contato com as famílias britânicas aqui residentes: Gomm, Withers, Pugsley, Templan, Lovat, etc.

E é esta a herança que lhe foi legada. Durante a infância, não vinha com seu pai à nossa capital, mas ouvia atentamente os relatos de uma querida terra à moda européia ao sul.

Em 1999, enfim, visita e conhece Curitiba. No ano subsequente sua esposa é aprovada em concurso da Fazenda Nacional e o propõe fixar residência em Curitiba. No mesmo dia em que a proposta fora feita, as malas estavam prontas e uma nova vida havia de começar. Deixou para trás tudo que havia construído na Bahia, com os empenhos de tudo recomeçar aqui no sul.
Neste mesmo ano de 2000, lança um opúsculo com curiosidades sobre Curitiba, e começa a trabalhar no Café Alvorada, dedica-se à CNBB e coordena a Rede Solidária.

A Santa Casa e a PUCPR, sensibilizadas com os esforços de Antony Leahy, cedem duas salas no edifício tijucas para seus trabalhos culturais.

Decide, a partir daí, engajar-se na difícil luta de sobreviver sobre ações de cultura regional.
Em 2007 funda a livraria “Pedra da Gazeta” no edifício Itália e participa do Lapa Mundi. Em 2008 presta seus serviços à Editora Juruá e no ano posterior, cria o Instituto Memória, editora que já promoveu mais de 100 títulos, sendo 80% destes do Paraná e onde também escreveu 8 opúsculos sobre o Paraná e desenvolveu o projeto “Piá Bom de História”.

Por seus incansáveis trabalhos, recebeu uma serie de homenagens. A primeira é a distribuição de uma carta anônima carregada de inveja que pede para que ele volte à Bahia. Coisa de nossa autofagia paranaense.

Recebeu a Medalha Fernando Amaro, da Câmara Municipal de Curitiba; a Medalha Rui Barbosa, da Academia Brasileira de Cultura, Arte e História; o título de Bicho do Paraná, em comentário jornalístico de Célio Heitor Guimarães, dentre tantas outras distinções.

Um baiano, que recebeu de “herança emocional” do seu pai o amor à Curitiba e ao Paraná, não foge à tradição daqueles baianos que outrora contribuíram para a formação de nosso Estado.
Não seria extrapolo dizer que os baianos, tão próximos a nós, são nossos vizinhos... pois Antony Leahy tem provado que meras fronteiras não impedem a cultura.

Seja bem vindo Antony! Seu trabalho em prol de nossa memória soma-se aos das entidades e estudiosos que vem travando uma silenciosa batalha em prol da formação da identidade paranaense.

A identidade é o fator de união de um povo.

Só existe povo se existir um amor em comum.

Não se ama o que não se conhece.

Como fazer o paranaense amar o Paraná, sendo que ele próprio não se conhece e não se reconhece como parte importante do Brasil?

Daí a importância de eventos como este.

Para Romário Martins, paranaense é aquele que meramente nasce no Paraná, pois isso pode ser até um acidente. Mas ser um paranista é uma glória.

É chegada a hora de deixarmos de ser meramente paranaenses e começarmos a ser PARANISTAS!

Muito obrigado!

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